
Adoção de Crianças e Adolescentes
1.Breve histórico do instituto da Adoção na antiguidade
O instituto da Adoção existe desde a antiguidade. Segundo Thomé (2019) : “É patente que a prática da adoção é tão, ou mais, antiga que os primeiros registros escritos, sendo impossível determinar com precisão seu surgimento”.
No entanto, considera-se que o Código de Hamurabi (CH) foi o primeiro código de leis da história, criado na Mesopotâmia, durante o reinado de Hamurabi (1792 e 1750 a.C.) e era baseado na Lei de Talião, que previa a punição de um criminoso de forma semelhante ao crime cometido, ou seja, “olho por olho, dente por dente”.
Escrito em monólito de pedra, o CH é composto de 282 dispositivos legais que abordavam diversos aspectos da vida, como família, escravidão, direito profissional, comercial, agrícola e administrativo.
A adoção era um instituto bem regulamentado e possuía regras rígidas. Nos dispositivos de nº 185 ao 195, que menciona: “Adoção, ofensa aos pais, substituição de crianças...” observa se o estabelecimento de prestações recíprocas e iguais entre adotante e adotado. Segundo Thomé (2019):
Nas civilizações antigas, a adoção possuía caráter religioso e visava perpetuar a religião doméstica; assim, tinha o intuito de proporcionar um filho àquele que não o teve. Como o culto aos antepassado deveria ser feito pelo homem, a adoção institucionalizada só abarcava pessoas do sexo masculino. (Thomé, 2019, sem paginação).
Na Bíblia, no Antigo Testamento, no capítulo 2, do livro de Êxodo, refere-se ao nascimento e a adoção de Moisés, pela filha de Faraó. No entanto, a Bíblia de Estudo Plenitude (2001, p.66), na nota de rodapé nº 2.10, refere que: “A adoção não era uma prática comum entre os hebreus, mas sim entre os egípcios.[...]”.
Ressalte-se que a ordenança do Senhor era que seu povo cuide do chamado Quarteto Vulnerável: órfãos, viúvas, estrangeiros e pobres, a qual é mencionada explicitamente em Zacarias 7:10 – “e não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, nem intente o mal cada um contra o seu irmão, no seu coração” (ARC, 2001, p. 922).
Em outra ocasião, a epístola de Tiago nos fala da fé, a qual produz e orienta de forma prática, os cuidados a serem concedidos àqueles que não tem condições de cuidarem integralmente de si mesmos, ou seja, os órfãos e as viúvas. Nos escritos veterotestamentários, esses dois grupos são tradicionalmente apresentados lado a lado.
Da mesma forma, Tiago, líder da Igreja em Jerusalém, adverte o quanto é desnecessário a prática da religião se ela não estiver acompanhada da justiça e da compaixão. No livro, cujo autor se identifica como Tiago, o capítulo 1.17 diz: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (ARC, 2001, p.1301).
No Novo Testamento, no livro de Mateus, capítulo 1:18-23 o filho único de Deus, Jesus Cristo, foi concebido através do Espírito Santo ao invés da semente do homem e Ele foi adotado e criado pelo marido de Sua mãe, José, o qual cuidou de Jesus como seu próprio filho (ARC, 2001, p. 948).
O apóstolo Paulo, na carta aos Romanos, no capítulo 8:14-15, assevera que:
14 Porque todos quantos são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.
15 Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em
temor, porém recebestes o Espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai! (ARC,
p. 1160)
2. Breve percurso da proteção à infância e juventude no Brasil
O modelo de atenção à infância desprotegida pelo Estado, foi herdado da coroa portuguesa, no período em que esteve sob o domínio de Portugal e, segundo os ditames da Igreja Católica, era realizado em abadias, mosteiros e irmandades beneficente, sob princípios da Igreja Católica.
Segundo informações do Museu da Santa de Misericórdia de São Paulo, (Santa Casa de São Paulo, s.d.), em 1.498 foi fundada a primeira em “Roda dos Expostos” das Misericórdias em Portugal. No Brasil, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, criou a primeira “Roda dos Expostos na Bahia, em 1.726. Na cidade de São Paulo, a “Roda” da Irmandade teve início em 16 de novembro de 1.876:
(...) quando Ariana da Silva Albuquerque foi deixada no meio da noite. Documentos, porém, atestam sua existência desde 02 de julho de 1825. (...). O término do uso da roda da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo se dá em 20 de dezembro de 1950, quando Maria Assunta foi recebida e registrada em um livro com o número de 4.580. Maria foi exposta na roda e as Irmãs de São José aacolheram e levaram-na ao Asylo dos Expostos Sampaio Vianna , fundado em 1896, e assim nomeado em homenagem ao benemérito Irmão João Maurício de Sampaio Vianna (Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, S/D).
No período republicano, o Decreto nº 17.943-A (Brasil, 1927) que ficou em vigor até a promulgação da Lei nº 6.697 (Brasil, 1.979) consta que:
Resolve consolidar as leis de assistencia e protecção a menores, as quaIS ficam constituindo o Código de Menores, no teor seguinte: Art. 1º O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente ás medidas de assistência e proteção contidas neste Código (Brasil, 1979).
Em 1979 entra em vigor o novo Código de Menores, através da Lei Federal nº 6.697 /79, estabelecendo no ordenamento jurídico brasileiro a Doutrina da Situação Irregular. Segundo Leite (2006, p. 96):
A expressão "situação irregular", nos termos da lei ora comentada, englobava os casos de delinquência, vitimização e pobreza das crianças e dos adolescentes, além de outras hipóteses extremamente vagas, que autorizavam a atuação amplamente discricionária do Juiz de Menores. De fato, o Código de Menores instituiu tipos abertos para caracterizar situações irregulares que justificariam a intervenção do Estado, através do Juiz de Menores, na vida da criança ou do adolescente que estivesse "em perigo moral" ou "com desvio de conduta".
A Constituição Federal de 1988, rompe com a doutrina de situação irregular e inaugura no sistema jurídico brasileiro, a doutrina da proteção integral, qual seja: no artigo 227
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão - Redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010 (Brasil, 1988).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, normatiza no artigo nº 19: que:
É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, (grifo meu) em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral (Brasil, 1990).
Na mesma perspectiva, a Lei nº 12.010, de agosto de 2009, dispõe no artigo 1º: [...] sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente [...]” (Brasil, 2009).
Ao acessar o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA)1, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) verifica-se que existem 34.533 crianças e adolescentes, acolhidos após determinação judicial em serviços de acolhimento, definidos como de Proteção Especial de Alta Complexidade, no Sistema Único da Assistência Social (SUAS)2. Desse total, 5.223 estão disponíveis para adoção, sendo que: 70,7% são pretas/pardas e 29,3% são brancas.
O SNA menciona ainda que: atualmente existem 33.485. habilitados para adoção, pelo Poder Judiciário.
No dia 25 de maio 1996, aconteceu o I Encontro Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (ENAPA), na cidade de Rio Claro, São Paulo. Desde então, o dia 25 de maio foi comemorado como o Dia Nacional da Adoção. Os ENAPAS acontecem anualmente e são organizados pelo Associação Nacional dos grupos de Apoio à Adoção -ANGAAD-(
Em maio de 2002, através da Lei Federal 10.447/02 (Brasil, 2002) o então Presidente Fernando Henrique Cardoso instituiu o Dia Nacional da Adoção, com o objetivo de promover reflexões sobre o assunto.
No estado de São Paulo, a Lei 14.464/11 estabeleceu a semana estadual da adoção, em período anterior ao dia 25 de maio.
Conclusão:
Ao discorrer, ainda que brevemente, o histórico de proteção à infância e juventude na antiguidade, observa-se que apesar da fase especial de desenvolvimento humano em que se encontravam, os cuidados dispensados se referenciam em motivação religiosa e não havia o reconhecimento enquanto pessoa humana que tem direitos fundamentais à sua existência.
1 O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) foi criado em 2019 e nasceu da união do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA). O Comitê de Apoio ao Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, instituído pela Portaria SEP n. 10 de 17 de junho de 2021, é o responsável pela gestão do SNA. O sistema é regulamentado por meio da Resolução n. 289/2019 deste Conselho. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/adocao/. Acesso em 29/04/2025. 2 Sistema Único da Assistência Social (SUAS). A lei do SUAS, ou Lei nº 12.435 de 2011, é a lei que estabelece o Sistema Único de Assistência Social no Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12435.htm#art1 . Acesso em 22/04/2025.
No caso do Brasil colonial, a transferência do sistema de proteção da coroa portuguesa referendou a prática do isolamento confessional e asilar.
As normativas inauguradas no Brasil Republicano, ainda submetiam as crianças e adolescentes a códigos que não vislumbravam o período peculiar de desenvolvimento, atendo-se apenas à questão do risco social que representavam.
Com a democratização do país em 1988, a promulgação da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente se vislumbra o reconhecimento dos direitos fundamentais, através da doutrina da proteção integral.
Apesar disso, é necessário que a sociedade reconheça crianças e adolescentes cidadãos de direitos e que nessa fase de desenvolvimento , dependem de todos nós para que possam vivenciar a convivência familiar e comunitária.

Maria José O Correa
Nascida em São Paulo/SP. Casada com Paulo e tem 02(duas) filhas: Ana Caroline, 23 anos e Anita Natasha, 20 anos Bacharel em Serviço Social, pelas Faculdades Metropolitanas Unidas, turma 1980; Especialista na área Violência Doméstica contra a Criança e Adolescente, Laboratório de Estudos da Criança, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo(USP) – 1998; Assistente Social no Sistema Único de Saúde/SUS da Prefeitura de São Paulo (PMSP) de 1991 a 1998; Assistente Social Judiciário, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de 1999 a 2014; Mestrado em Andamento no PPG em Serviço Social e Políticas Sociais da UNIFESP - Baixada Santista, desde 03/01/2023; Pesquisadora no Grupo de estudos, pesquisa e extensão sobre crianças, adolescentes e famílias (GCAF) da Universidade Federal de São Paulo(UNIFESP) Baixada Santista, dede 2023 até o presente; Consultora para Serviço de Proteção de Alta Complexidade no Sistema Único de Assistência Social - SUAS/Serviços de Acolhimento em Família Acolhedora - SFA, na cidade de São Paulo, de janeiro de 2020 até o presente; Membro/Consultora na Comissão de Adoção, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)–, seção 116º- Jabaquara/Saúde desde 2021; Consultora Individual da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em produto vinculado com a Prefeitura Municipal de São Paulo(PMSP) / Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento de 00/08/2022 a 01/02/2023; Assistente Social no Serviço de Acolhimento Familiar(SFA), em São Paulo/SP, desde 08/2024; Coordenadora do Grupo de Apoio à Adoção “Conta de Novo…”, desde 2013, em São Paulo/SP;